O que desejamos?

Em tempos de pandemia, a resposta pode vir de maneira mais simples do que em outros tempos.

Desejamos o fim do novo coronavírus e, consequentemente, do isolamento social. É também verdade que algumas pessoas irão considerar o primeiro item dispensável, desde que o segundo desejo nos seja concedido.

O que podemos aprender com este momento?

Na Grécia Antiga, no século IV a.C., viveu um filósofo chamado Aristóteles. Há mais de 2 mil anos ele já era capaz de transmitir em palavras uma ideia, com uma essência verdadeira, a qual podemos ver refletida em nossas sensações nestes tempos de pandemia e restrição às interações sociais.

“O homem é um ser social e, mais precisamente, um ser político.” Aristóteles em Ética a Nicômaco

Falaremos, primeiramente, do homem enquanto ser social.

A sociedade em que vivemos vem passando, nas décadas recentes, por um processo denominado globalização. Este processo é constituído de desenvolvimentos tecnológicos, especialmente nas áreas de transporte e de comunicação. O desenvolvimento dessas áreas possibilitou uma maior integração entre regiões geograficamente muito distantes do globo terrestre, contribuindo para modificações nas culturas das sociedades e nos hábitos de cada indivíduo.

Quantos de nós ainda cultivam o hábito de nos comunicarmos através de cartas? Um ritual antigo e que constituía parte importante das relações sociais foi (praticamente) perdido em pouquíssimos anos. Hoje, temos a possibilidade de nos comunicarmos em tempo real com pessoas extremamente distantes de nós geograficamente, entretanto muitos de nós se sentem extremamente sozinhos.

Para responder uma pergunta muito simples – “o que nos faz felizes?” -, uma das maiores universidades do mundo vem realizando um estudo desde 1938. A universidade de Harvard, nos Estados Unidos, iniciou o “Estudo sobre o Desenvolvimento Adulto” (Study of Adult Development) acompanhando 724 homens desde a sua adolescência. Atualmente está sendo desenvolvido o “Estudo da Segunda Geração” (Second Generation Study), que tem por objetivo acompanhar os filhos das pessoas estudadas até o momento.

Entre as diversas conclusões possíveis desse estudo, os pesquisadores encontraram fortes associações entre a felicidade dos indivíduos e a solidez de suas relações pessoais próximas – sejam elas com companheiras, familiares, amigos ou círculos sociais. Ressalta-se que a condição financeira dos indivíduos não foi considerada um fator de grande contribuição para responder a pergunta do estudo.

Podemos, nesse caso, perceber a importância dos laços sociais para a felicidade humana, sendo de vital importância a manutenção das relações sociais, utilizando-nos das diversas tecnologias existentes (e ao nosso alcance) para nos fazermos presentes e sentirmos a presença dos amigos, nestes tempos de provação que estamos passando enquanto civilização.

Vamos falar do elefante na sala?

A política moderna é considerada um tabu, sendo para muitos um assunto que não deve ser debatido. Escândalos de descaso com a coisa pública se tornaram frequentes nas mais diversas democracias do mundo, tornando rápida a associação de políticos e da política em si com adjetivos negativos. Mas o que é política?

A palavra política está associada a pólis grega (as cidades-estado), tendo sua etimologia derivada da palavra grega politikós, que significa “relativo ao cidadão ou ao Estado”.

Foi em Atenas que surgiu, no século V a.C., a democracia, um regime de governo onde o poder do governante sofreu uma grande limitação. Foi permitido ao povo realizar a eleição dos governantes e, em matérias importantes, exercer de maneira direta o poder através de reuniões públicas. Contudo, a qualidade de cidadãos estava restrita aos homens atenienses, não sendo considerados cidadãos as mulheres, escravos e estrangeiros.

A organização do poder político e o modo como é exercido nas sociedades sofreu diversas alterações ao longo dos séculos, até chegarmos aos regimes representativos atuais, os quais chamamos (erroneamente) de democracia. Apesar de serem, em certa medida, regimes democráticos, o são por permitirem ao povo a eleição de seus representantes, porém as possibilidades de exercício direto do poder pelo povo são escassas e raramente utilizadas.

Podemos, porém, adotar um conceito de política mais abrangente. É fácil perceber que ela não nasceu na Grécia Antiga e que se faz presente em locais diversos dos atuais Poderes Legislativo e Executivo de nosso país. As relações interpessoais do ser humano estão todas vinculadas à política. São, conforme a própria etimologia da palavra, relativos ao cidadão – aqui, felizmente, em definição muito mais abrangente do que a utilizada em Atenas. O homem, enquanto ser social, está o tempo todo inserido em redes de relações interpessoais, nas quais gravita através da linguagem – seja ela falada ou não -, enfraquecendo ou reforçando seus laços sociais. A habilidade de falar, se posicionar  e construir relações em um meio social é, em si, uma habilidade política.

Então por que tantos de nós se sentem isolados, em tempos tão conectados?

No primeiro episódio de seu novo show, disponível na plataforma de streaming Netflix, David Letterman entrevistou Barack Obama. Em certo ponto da entrevista, o ex-presidente dos Estados Unidos ressalta a influência das redes sociais e dos algoritmos na formação da opinião popular, contribuindo para a polarização política vivenciada atualmente pela humanidade.

Os algoritmos utilizados permitem que sejam formadas bolhas de opinião. Quando uma pessoa pensa de uma determinada maneira e se informa de maneira frequente por determinados meios de comunicação, estes algoritmos fazem com que as buscas e propagandas mostradas a esta pessoa reforcem as opiniões que ela já possui, com fontes de conteúdo similar aos que está acostumada a utilizar para se informar, dificultando assim o conhecimento de uma opinião divergente.

Este fato parece vir contribuindo para a fragilização da capacidade de dialogar das pessoas, construindo muros em lugares onde poderíamos estar realizando a construção de pontes. Infelizmente a política ainda é um tabu, mas é através do diálogo que temos a oportunidade de superar esta situação, reforçando os nossos laços sociais, compreendendo a opinião do outro e, assim, nos aproximando.

Gosto de pensar que todos desejamos uma sociedade melhor, mais educada e feliz. Hoje vivemos um momento difícil enquanto humanidade, mas podemos refletir a respeito do mundo que desejamos construir, com muros ou com pontes, dando oportunidades para a solidariedade reinar entre os povos, sabendo que o nosso ato mais importante para a construção deste novo mundo começa com a construção de cada um de nós.

Imagem: Melissa Teixeira

 

Deixe um comentário